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Artigo – Carro elétrico ou híbrido não é mais um tema ambiental. Virou mercadológico.

Por Besaliel Botelho

A locomotiva da eletrificação que começou a se deslocar a 2 km por ano há mais de 20 anos, impulsionada por movimentos ambientalistas europeus, agora se move a mais de 100 km/h.

A base de todo movimento foi criar a demanda por carbono zero, vinculando a emissão de CO2 ao chamado aquecimento global, no qual se debita as grandes mudanças climáticas do planeta e suas consequências catastróficas. Esse movimento começa a entrar em rota de colisão econômica na maioria dos mercados que apostaram seus investimentos na mobilidade chamada carbono zero.

A China, que soube muito bem nos anos 1990 aproveitar sua rampa de escala de produção de veículos para o seu atual enorme mercado interno de 27 milhões de veículos, soube também criar um novo mercado tecnológico promovendo a corrida pela solução elétrica em todas as suas configurações hibridas e puramente elétricas.
Com ajuda dos tradicionais fabricantes europeus e americanos, os chineses desenvolveram as melhores tecnologias de eletrificação e propulsão, produzindo em alta escala toda a cadeia de fornecimento tecnológico, incluindo as famosas baterias de lítio que dominam hoje o mercado mundial de baterias para carros elétricos.
Os altos investimentos internos da China em modernas e novas fábricas, patrocinados pelo governo chinês, catapultaram a indústria chinesa automobilística a uma vantagem competitiva e tecnológica que dificilmente o ocidente terá chance de alcançar.

Hoje, a China tem o parque fabril mais moderno do mundo em toda a sua cadeia de valor, pois investiu o estado da arte em processos robotizados que vai muito mais além que a famosa Indústria 4.0.

Uma capacidade produtiva perto de 30 milhões de veículos por ano coloca de “joelhos” qualquer escala americana ou europeia. A mão de obra especializada, criada ao longo da história e que trabalha 24 por 7 sem leis trabalhistas e benefícios que não vão além da oportunidade de se trabalhar, faz brutal diferença na competitividade dos seus produtos.

Os Estados Unidos, por sua vez, com 17 milhões de capacidade produtiva, tentam injetar investimentos na sua indústria e buscam tanto internamente como no “nearshoring” acompanhar essa corrida mercadológica e competitiva, mas ainda esparram nas barreiras internas sindicais e nos passivos de sua indústria tradicional que precisa se reinventar para se modernizar.

A indústria americana ganha ainda certo tempo em seu mercado interno porque os chineses com suas marcas não podem, por barreiras geopolíticas, entrar no mercado americano. Porém, parece-me que os USA dificilmente vão conseguir fazer frente ao monstro tecnológico chinês e sua escala produtiva, cujo apelo tecnológico da descarbonização passa longe do apelo ambiental por não ter fontes de energia limpa e renovável suficientes para compensar o enorme prejuízo ambiental causado principalmente na produção de baterias de lítio.

A Europa, com 15 milhões de capacidade produtiva, perde-se atualmente com suas metas ambientais para carbono zero, criando uma disrupção sem precedentes em sua famosa e tradicional indústria automobilística que tanto ditou as tendências da mobilidade do passado.

Já podemos perceber nas discussões políticas atuais que a Europa deu um tiro no próprio pé com sua estratégia carbono zero, eliminando em curto prazo os motores a combustão movidos a combustíveis fósseis e substituindo pelos elétricos como única solução para evitar emissões locais, sem pensar de onde obter energia limpa sustentável e sem dar opção à sobrevivência de sua tradicional indústria automobilística.

Mesmo com a recente diminuição das vendas de carros elétricos que ocorre nos USA e na Europa, dificilmente essa locomotiva tecnológica impulsionada já a mais de 100 km/hora pela gigante competitividade chinesa irá parar.

Resta ao pequeno mercado brasileiro de pouco mais de 2 milhões de unidades se defender com políticas que incentivem o mercado interno a consumir veículos com propulsão usando combustíveis alternativos, apostar na geração de hidrogênio verde, não só pelo apelo da descarbonização, mas porque já temos as fontes necessárias e investimentos consolidados e que fazem coro com as metas de redução de carbono compromissadas pelos acordos ambientais.

Mas, em se tratando de mercado, sem previsibilidade de aumento de escala de produção, nossa indústria local tem um grande desafio pela frente à estratégia de ganho de mercado definida pela indústria automobilística chinesa que vai além do preço de seus veículos ao consumidor classe A e B Brasileiro.

As marcas BYD, GWM, Chery, JAC e outras já são marcas tecnológicas de qualidade consolidadas na mobilidade brasileira e impulsionadas resultado da política do governo federal de imposto de importação zero implantada na primeira fase do programa Rota 2030.

Tudo indica que as tecnologias do veículo puramente elétrico (BEV) e principalmente na versão híbrida irão crescer rapidamente e dominar a venda de veículos de passeio no mercado interno.

Dificilmente os investimentos ainda necessários em infraestrutura e em serviços no Brasil, ou mesmo nas novas fabricas chinesas recentes anunciadas, irão compensar a perda da capacidade nacional instalada da indústria tradicional local e sua geração de emprego.

A exportação poderia ser uma saída, mas sabemos já por experiências do passado que não temos segurança jurídica e nem competitividade interna que atraiam hoje investimentos para nos colocar de forma expressiva no mercado global.

Mesmo com a reforma tributária em curso, e o programa MOVER recém desenhado, não creio que esse cenário vá mudar muito. Nosso arcabouço fiscal vai continuar e a indústria da mobilidade local, que é global player, vai usar a regra máxima da oferta e da procura trazendo via importação para nosso mercado veículos globais mais baratos e tecnológicos para nossa restrita demanda.

Fica o desafio de fazer nossa demanda crescer e isso só será possível com um crescimento substancial do PIB brasileiro, com uma forte desoneração da indústria local e geração de empregos qualificados.

Um país continental e rico em comodities, como o Brasil, só irá prosperar com uma economia vigorosa e crescente, se tiver uma indústria de transformação forte, inovadora e competitiva mundialmente.

(*) Besaliel Botelho é ex-presidente da AEA e da Bosch América Latina, conselheiro das empresas Bright Consulting, Bosch, Sonda e consultor de empresas.

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